segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O fundo preto

- Cala-te!
Fiquei surpreendido. Ela tinha ficado tanto tempo. Tanto tempo, assim quieta, enquanto eu me queixava e queixava. Queixava-me da minha miserável vida, mas isto, isto nunca tinha acontecido. Fiquei à espera que ela completa-se, mas ela calou-se. Ficou a contemplar o horizonte. Nunca percebi no que ela pensava, enquanto estava dentro deste carro.
- Vá, vá! Se tens alguma coisa a dizer-me, diz logo de uma vez!
Eu tinha gritado, mais uma vez, e mais uma vez, era impossível voltar a trás. Eu vi ela a encolher-se. Não isso não. A minha filha devia-me julgar um monstro. E depois notei as lágrimas a correrem-lhe pela cara. Que aconteceu? Olhei para a minha mão direita. Fiquei chocado. Novamente. Estava ela esticada a dez centímetros da cara da minha filha.
Sim já se começava a reparar, na marca vermelha da cara dela, que marcava uma mão, uma mão pesada.
- Patrícia, desculpa-me.
Ela acenou a cabeça. Parabéns, parabéns pela nova medalha. A medalha para o pai mais carinhoso e honesto e presente de todos.
Estava a pôr-se o sol. Era a parte do dia que eu mais gostava. Os tons alaranjados e amarelados, davam um tom lindo ao céu. Mas hoje, hoje havia qualquer coisa. Preto? Sim um preto que tinha aparecido. Um preto fora do lugar.
- E a tua mãe? Como está?
- Bem.
Ela respondeu prontamente como sempre faz. E mais uma vez ficamos naquilo. Eu sei. Fui eu que nunca lhe dei atenção, mas se nem sei tomar conta de mim, seria capaz de o fazer a uma filha?
Tínhamos chegado, e mais uma vez 30 minutos, passaram como se fossem 5.
-Adeus.
Não, espera.
- Patrícia, minha querida. Não te despedes do pai?
Ela inclinou-se mas eu não senti. Não senti os lábios dela, nem o amor. E depois afastou-se, via a ir-se embora, a minha menina, com os caracóis, os seus perfeitos caracóis ao sabor do vento.
Depois regressei a casa. E apercebi-me que estava a chorar. Não! Um homem não chora. Apressei-me e rapidamente estava dentro de casa. Não reparei se havia vizinhos à volta, nem reparei se o meu cão Oddie tinha comida. Apenas coloquei a música no mais alto volume e fui buscar o meu “medicamento”, o meu prazer, o meu esquecimento.

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